O rapper moçambicano Nikotina KF torna-se símbolo dos protestos pós-eleitorais com sua música de intervenção. Inspirado por Azagaia, Nikotina ecoa os anseios de justiça e liberdade da juventude moçambicana.
Nikotina KF, nome artístico de Higino Fumo, é o autor de “Pray for Moz”, a canção que se tornou o hino das manifestações em Moçambique. Inspirado por Azagaia, o rapper denuncia injustiças sociais e protesta contra os resultados das eleições de 9 de outubro, que, segundo o candidato Venâncio Mondlane, foram fraudulentas ao declarar Daniel Chapo como vencedor.
Em entrevista à DW, Nikotina compartilhou suas motivações, as dificuldades enfrentadas e o impacto de sua música na sociedade moçambicana.
Pray for Moz: Um Hino para a Resistência
Segundo Nikotina, a música nasceu para expressar o sofrimento do povo moçambicano e dar visibilidade às agressões enfrentadas durante as manifestações.
“A música chama-se ‘Pray for Moz’, que significa ‘Rezemos por Moçambique’. Ela reflete o que temos vivido nas manifestações pacíficas que, infelizmente, se tornaram violentas. O povo recorreu ao artigo 80 da Constituição, que garante o direito à resistência”, explica o rapper.
A canção tornou-se símbolo de luta, especialmente para os jovens, e reforça o direito constitucional de manifestação pacífica, mesmo em um contexto de repressão.
A Influência de Azagaia
Para Nikotina, Azagaia foi mais que um ícone: foi um profeta.
“Azagaia escreveu a ‘Bíblia’ das manifestações. Ele criou o hino da revolução moçambicana. Toda essa fase está guiada pelo legado dele. Eu sou apenas um jovem influenciado por sua obra, que escolheu não ficar alheio à luta do povo”, afirma Nikotina.
O rapper lamenta que músicas como a sua, que contestam o sistema, não sejam veiculadas nos meios de comunicação estatais.
“São dizeres poéticos de rua, uma arte que já era praticada pelos nossos ancestrais. Nossa mensagem é passada de mão em mão, como sempre foi na história africana”, ressalta.
Perseguição e Censura
Nikotina admite que sua postura crítica tem lhe custado perseguições.
“Logo que comecei a expor minha visão nos canais de televisão, a perseguição se intensificou. Vivemos em um lugar onde é complicado pensar diferente. Quem deveria nos defender é quem nos persegue”, desabafa.
Apesar disso, ele se mantém firme na missão de dar voz ao povo moçambicano, reforçando que sua luta é guiada por convicções.
A Arte como Ferramenta de Mudança
O rapper também denuncia um crescente “ostracismo cultural”, caracterizado pela rejeição a opiniões divergentes.
“Estamos vivendo um ostracismo cultural que dá a impressão de divisão. Há intolerância para com aqueles que defendem causas diferentes. Isso não é democrático”, alerta Nikotina.
Para ele, muitos artistas preferem o silêncio, seja por medo de represálias ou por interesses pessoais. Ainda assim, ele acredita que é preciso lutar por algo maior.
“É melhor vivermos por algo do que morrermos por nada. Mesmo que haja medo, é preciso resistir”, conclui.
Conclusão
A trajetória de Nikotina KF reflete a resistência da juventude moçambicana frente à opressão. Suas músicas, carregadas de mensagens de luta e esperança, ecoam os gritos de um povo que exige justiça e liberdade.
Enquanto a luta continua, Nikotina permanece como um símbolo de inspiração, mantendo vivo o legado de Azagaia e usando a arte como ferramenta de transformação social.